Projéteis da África do Sul mostram adaptações humanas inovadoras a ambientes áridos

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Um novo estudo demonstra que há cerca de 50.000 anos as comunidades humanas que habitavam a África do Sul utilizavam pontas de projétil em pedra, usando um método distinto conhecido como "tecnologia nubiense".
Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArEHB)
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Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArEHB)

Um novo estudo, que conta com a participação do Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArEHB) da Universidade do Algarve, demonstra que há cerca de 50.000 anos as comunidades humanas que habitavam a África do Sul utilizavam pontas de projétil em pedra, usando um método distinto conhecido como "tecnologia nubiense", que os investigadores dizem demonstrar uma adaptação específica a condições de deserto.

Pesquisas arqueológicas no Tankwa Karoo - hoje uma das partes mais áridas da África do Sul - revelam que há cerca de 50.000 anos, as pessoas adaptaram os a sua tecnologia para fazer ferramentas em pedra, usando um método totalmente diferente. Atualmente, esta alteração é conhecida apenas em num conjunto muito reduzido de sítios na região, incluindo o grande sítio de Tweefontein, descrito na investigação agora publicada pela revista PLOS ONE.

Nomeada originalmente pela sua ocorrência no Vale do Nilo, a tecnologia nubiense foi recentemente encontrada na Arábia e em Israel, gerando teorias sobre vestígios deixados por populações migrantes entre há cerca de 120.000 e 70.000 anos atrás. No entanto, os arqueólogos sugerem que a presença dessa tecnologia na África do Sul, a cerca de 6000 km de distância, não é o resultado de migrações, mas demonstra uma invenção independente, muitos milhares de anos depois. O sítio arqueológico de Tweefontein foi descoberto pelos autores Emily Hallinan (ICArEHB, Universidade do Algarve) e Matthew Shaw (Universidade de Wollongong) em 2014, quando a equipa relatou a primeira identificação da tecnologia nubiense no sul de África.

Este novo estudo aprofundado das ferramentas em pedra de Tweefontein mostra que elas seguem os mesmos padrões característicos da tecnologia nubiense presentes noutros sítios arqueológicos, tendo sido utilizada para manufaturar centenas de pontas de pedra. Os autores argumentam que isso é significativo, pois demonstra uma inovação local para lidar com os desafios específicos de ser um caçador-coletor em ambientes desérticos. O facto de a tecnologia nubiense ocorrer em contextos desérticos no norte da África, Israel e Arábia pode sugerir que as populações desenvolveram a mesma solução tecnológica nessas condições, num processo de evolução convergente. “Estudar como os humanos do passado foram capazes de adaptar os modos de produzir as suas ferramentas sob os desafios ambientais que enfrentaram é a chave para entender como nossa espécie foi capaz de se dispersar pelo globo” diz Emily Hallinan.

A equipa realizou trabalhos de campo e registou milhares de ferramentas de pedra na superfície do deserto de Tankwa Karoo, situado entre as montanhas Cederberg e Roggeveld na fronteira oeste e norte da província do Cabo. Embora, frequentemente, os arqueólogos que estudam este período, conhecido como Idade da Pedra Média, se concentrem na escavação de grutas, a abordagem alternativa permite que Emily Hallinan e Matthew Shaw observem como os antigos caçadores-coletores se moviam pela paisagem como um todo. Além da produção em massa de centenas de projéteis em pedra em Tweefontein, a tecnologia nubiense foi reconhecida em doze outros locais, onde um número muito menor de núcleos e pontas em pedra foi registado. Apesar das inúmeras escavações em grutas noutras partes da África do Sul, apenas um outro artefacto nubiense foi registado num local próximo, enfatizando a importância das novas descobertas obtidas a partir de sítios de ar livre.

Emily Hallinan possui uma bolsa de pós-doutoramento Marie Skłodowska-Curie no Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArEHB), Universidade do Algarve, Portugal, e o colaborador Mathew Shaw é estudante de doutoramento na Universidade de Wollongong, Austrália.

As investigações no Tankwa Karoo foram realizadas durante o doutoramento de Hallinan na Universidade de Cambridge, financiado pelo Arts and Heritage Research Council do Reino Unido, e o novo estudo faz parte de um projeto financiado pela UE Horizon 2020 'TANKwA', com sede no ICArEHB.

Link: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0241068